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Tributação dos dividendos reaviva debate sobre distribuição disfarçada de lucro

Prática consiste no pagamento, pela empresa, de despesas do sócio, e visa driblar a tributação na distribuição de lucros

compensação proposta pelo governo ao aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) deve trazer de volta uma figura praticamente inexistente no cenário tributário atual: a distribuição disfarçada de lucros. O termo diz respeito às situações em que despesas que seriam do sócio são “migradas” à pessoa jurídica como forma de escapar à tributação dos dividendos.

A prática é quase inexistente hoje pelo fato de os dividendos não serem tributados. Com a mudança do cenário, porém, especialistas acreditam que começarão a surgir situações em que, por exemplo, é constatado que a pessoa jurídica comprou um automóvel supostamente para utilização pela empresa, mas que em realidade é aproveitado pelo sócio.

O tema é tratado na legislação atual, porém os dispositivos datam da década de 1970, e segundo players consultados pelo JOTA, precisam de atualização. O assunto, entretanto, não é abordado no PL 1087/2025, enviado ao Congresso.

Dividendos

O debate sobre a distribuição disfarçada de lucros deve voltar à tona caso seja aprovado, na forma como apresentado pelo Executivo, o projeto que eleva a faixa e isenção do IRPF para R$ 5 mil. Como medida compensatória ao impacto de R$ 25,8 bilhões que a alteração ocasionará em 2026, o governo elaborou propostas voltadas à tributação dos mais ricos, que, de acordo com cálculos da Fazenda, trarão pouco mais de R$ 34 bi aos cofres públicos.

Uma dessas medidas é a retenção de 10% na fonte sobre dividendos, tanto para residentes quanto para não residentes. No caso de pessoas físicas domiciliadas no Brasil, a retenção ocorrerá quando o valor recebido de uma mesma empresa ultrapassar R$ 50 mil por mês. Já para pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no exterior, a alíquota de 10% será aplicada sobre qualquer valor enviado.

Também há a previsão de instituição de imposto mínimo sobre a alta renda, que será aplicado de forma escalonada até o limite de 10% para rendas acima de R$ 1,2 milhão ao ano.

Fazenda ciente do problema

A possibilidade de volta do debate sobre distribuição disfarçada de lucro, também conhecida pela sigla DDL, é reconhecida até mesmo por membros do Ministério da Fazenda. Em almoço realizado pela Frente Parlamentar do Empreendedorismo no dia 27 de março, o secretário de reformas econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Pinto, destacou que o Executivo “está ciente” do problema. “Inclusive devíamos, na tramitação no Congresso Nacional, pensar em regras sobre DDL novas. A gente esqueceu desse assunto porque ele não era mais um problema no país. Temos que retomar e ter regras boas sobre isso”, afirmou.

O advogado João Aldinucci, conselheiro da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), explica que a distribuição disfarçada de lucros consiste na empresa pagar despesas do sócio ou do acionista, sem reconhecer a distribuição de lucros. “Uma forma de se evitar essa tributação sobre a distribuição de lucros é a empresa pagar disfarçadamente despesas do sócio. Ao pagar essas despesas ela está distribuindo lucros de forma indireta, mas evitando a tributação”, diz.

Como exemplos, o tributarista cita a compra de um veículo para uso do sócio na pessoa jurídica ou o pagamento de viagens pessoais da pessoa física sob a justificativa de ida a um congresso. Aldinucci, que foi conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), cita que hoje os casos sobre o assunto no tribunal são residuais, herança da época em que os dividendos eram tributados.

Já o advogado Felipe Salomon, sócio do Levy & Salomão Advogados, destaca que a fiscalização dessas hipóteses será custosa à Receita Federal e aos contribuintes. “Apesar de ser improvável que vejamos situações do tipo em grandes empresas, com bom nível de governança, na medida em que o problema deve se concentrar em empresas menores com baixa governança, que são numerosas, a dúvida recairá sobre todos”.

Um elemento que pode dificultar o cenário é o fato de os dispositivos legais relacionados à distribuição desproporcional de lucros datarem da década de 1970, antes de os dividendos serem isentos. Para especialistas, as regras estão desatualizadas para o contexto atual.

O Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 9.580/2018) traz, entre os artigos 528 e 530, algumas hipóteses de caracterização de DDL. São exemplos a alienação, a valor inferior de mercado, de bens a pessoa ligada ou a aquisição de bens de pessoas ligadas a valor superior ao de mercado. Os dispositivos foram “herdados” do Decreto-lei 1.598, de 1977, que em seus artigos 60 a 62 traz previsão idêntica.

“Não penso que teremos solução [para a distribuição disfarçada de lucro]. Enquanto existir o incentivo, o comportamento em alguma medida se verificará. Mas o problema poderia ser atenuado se a legislação sobre distribuição disfarçada de lucros fosse atualizada”, defende Salomon.

O debate sobre as alterações tributárias ainda está em fase inicial no Congresso. Com a volta do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e de líderes partidários que estavam na comitiva do presidente Lula que foi à Ásia, é esperado algum avanço sobre a relatoria do projeto. A tendência é que a responsabilidade fique com o Centrão.logo-jota